DECISÕES DA JUSTIÇA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS DECLARAM ILEGAL VINCULAR ENTREGA DO IMÓVEL PARA MESES APÓS A ASSINATURA DO CONTRATO COM O AGENTE FINANCEIRO.
Muitos compradores de imóveis na planta vem sendo lesados com falsas promessas das construtoras, que no momento da venda, para ganhar a preferência do consumidor, prometem a entrega do imóvel para uma data e omitem a informação que consta no contrato a vinculação de entrega das chaves meses após a assinatura com o agente financeiro.
Ocorre que o momento de assinar com o banco é determinado pela construtora, que pode levar anos para convocar o consumidor a realizar financiamento, evitando com isto a caracterização de sua própria inadimplência.
Esse tipo de contrato coloca o consumidor em extrema desvantagem, pois o prazo de entrega do imóvel é totalmente manipulado pela construtora.
Atento a este realidade, diversos juízes da Comarca de São José dos Campos, Taubaté e Pindamonhangaba, vem condenando as construtoras ao pagamento de indenizações por atraso.
Abaixo colocamos uma recente decisão do Juizado Especial Cível de São José dos Campos.
Relatório dispensado (art. 38 da Lei
9.099/95). Fundamento e decido. O autor celebrou com a empresa-ré
contrato de compromisso de compra e venda imobiliária (fls. 16/27). A
relação jurídica é regida pelo Código de Defesa do Consumidor (Lei
8.078/90) e pelas leis específicas (arts. 722 a 729 do CC e Lei
6.530/78). Definido o regime jurídico, oportuna a observação de que, via
de regra, prevalece a força vinculante dos contratos à vista do
princípio da obrigatoriedade que os caracteriza (art. 427 do CC): "O
contrato válido entre as partes é ato jurídico perfeito, dele
decorrendo, para uma ou para ambas, direitos adquiridos" (STF, RE
85.049-0, RT 547/215). É o que decorre da aplicação de dois outros
princípios civis basilares: boa-fé objetiva e da autonomia das vontades
(arts. 421 e 422 do CC). De acordo com o contrato, o imóvel deveria ter
sido entregue em dezembro de 2011 (cláusula 5 do quadro resumo, fl. 17);
e só foi efetivamente entregue em maio de 2014 (cf. termo de
recebimento fl. 125). Verifica-se que o contrato vinculou a entrega do
imóvel a termos diversos: inicialmente, a dezembro de 2011, mas com
prazo de prorrogação de 180 dias; além destes, fixou o prazo de 24 meses
após a 'assinatura do referido contrato junto ao agente financeiro'
(cláusula 5 do quadro resumo, fl. 17); e, "a promitente vendedora se
compromete a concluir as obras do imóvel objeto deste contrato até o
último dia útil do mês mencionado no item 5 do Quadro Resumo, salvo se
outra data for estabelecida no contrato de financiamento com instituição
financeira. Nesta hipótese, deverá prevalecer, para fins de entrega das
chaves, a data estabelecida no contrato de financiamento"; por fim, "na
superveniência de caso fortuito ou força maior, de acordo com o Código
Civil, esta tolerância ficará prorrogada por tempo indeterminado"
(cláusula 5 - fl. 22). Esta miscelânea de disposições contratuais é
ilegal, porquanto abusiva. É certo que o Código de Defesa do Consumidor
estabelece que as relações de consumo devem se pautar pela boa-fé e pelo
equilíbrio entre fornecedores e consumidores (art. 4º, inc. III) - daí
porque, nos contratos de adesão, reconhecida a condição de
hipossuficiência (art. 4º, inc. I), as cláusulas são interpretadas
favoravelmente ao aderente (art. 47 do CDC; art. 423 do CC). Não por
outro motivo são consideradas nulas as cláusulas que ofendam os
princípios do sistema jurídico a que pertençam (art. 51, par. 1º, inc.
I) e que as ameacem o equilíbrio contratual (inc. II). Pois bem. A
previsão de prazos múltiplos, indefinidos ou indeterminados, ou então
vinculados a evento futuro e incerto (como o é o condicionamento ao
contrato de financiamento), constitui flagrante violação aos preceitos
mencionados, mesmo porque é vedado ao fornecedor deixar de estipular
prazo para o cumprimento da obrigação quando igual direito não é dado ao
consumidor-aderente (art. 39, inc. XII). Frise-se que o autor, por
força do contrato, estava obrigado ao pagamento regular, sob pena de
diversas sanções (cláusula 4.2, fls. 20/21). Demais disto, alegar que a
mora não se caracteriza por motivo de força maior ou de fortuito (art.
393, p. ún. do CC) significa desconsiderar, de um lado, que o prazo de
tolerância existe justamente para comportar estes imprevistos; e, de
outro, que as excludentes invocadas não se aplicam aos contratos regidos
pelo Código de Defesa do Consumidor, que prevê rol taxativo
relacionadas a hipóteses diversas (art. 14, § 3º). Por fim, se por um
lado a estipulação de prazo de tolerância de 180 dias é lícita, a
vinculação ao contrato de financiamento também é abusiva. Trata-se, à
toda evidência, de cláusula potestativa que fere todo o sistema
defensivo do Código de Defesa do Consumidor. Aliás, em processo que
tramitou neste juízo, o gerente da Caixa Econômica Federal, Thiago César
de Vasconcelos Guimarães, esclareceu que, independente de se tratar de
plano associativo ou não, deve sempre prevalecer o termo final de
entrega de obras previsto no contrato celebrado com a empresa
empreendedora (mesmo porque esta está obrigada perante a instituição
financeira e há até mesmo um seguro que assegura o cumprimento do
cronograma, garantindo-o contra eventuais atrasos). Observe-se: PROCESSO
Nº 1000886-12.2014 - Segunda Vara do JEC de São José dos Campos -
CINTIA PIRES X MRV Engenharia e Participações S/A Testemunha do juízo,
Thiago César de Vasconcelos Guimarães: "O depoente é Gerente Regional da
Caixa Econômica Federal. Atua especificamente na área de financiamento
imobiliário. Atende a diversas empresas, entre as quais a MRV. Para
pessoa física, a CEF analisa a capacidade econômica, idoneidade
cadastras dos pretendentes, e no que tange ao imóvel, o setor técnico
realiza uma analise de compatibilidade entre o valor financiado e as
características do empreendimento; além de tudo isso, é analisada também
a regularidade geral do imóvel (autorizações do setor Público,
matrícula, certidões e demais exigência burocráticas). Atuam também
naquilo que se denomina "credito associativo" (financiamento do imóvel
na planta). No caso de credito associativo, esclarece o depoente que é
celebrado um contrato tripartite: a CEF, a construtora e os adquirentes
associados. É dever da construtora apresentar um cronograma de obras, o
que inclui uma previsão de data para a entrega. Esta data não esta
vinculada à assinatura do contrato por parte dos adquirentes associados,
pois a CEF só assina o referido contrato quando existe um número mínimo
de adquirentes, suficiente para a provisão do financiamento. Ate
atingir um numero mínimo de adquirentes associados necessários à
celebração do contrato com CEF, os adquirentes devem procurar a
construtora; a partir de então, as adesões podem ser feitas tanto
perante a construtora quanto perante à CEF. Assim que o adquirente
associado assinou o contrato, ele fica obrigado ao pagamento das
respectivas parcelas. Durante a fase de obras não há amortização do
valor que o adquirente associado paga em relação a sua unidade
imobiliária. Há, na verdade, juros relativos à utilização do capital
financiado. A partir da entrega do imóvel, o contrato se resolve em
relação a construtora. A partir de então, com efetivo recebimento do
imóvel e imissão na respectiva posse, o adquirente - associado passa a
pagar a amortização e os juros pelo capital financiado. O crédito
associativo tem um seguro para garantir que o imóvel fique pronto de
fato. Quando ocorre um atraso no cronograma apresentado pela
construtora, a CEF a notifica exigindo uma readequação. O início do
pagamento da amortização, pelo adquirente associado, só se dá quando a
construtora apresenta o "habite-se" e a averbação no registro de
imóveis. O crédito associativo não esta necessariamente vinculado à
hipoteca do imóvel." Assim, na hipótese em exame, foi a empresa-ré que
descumpriu parcialmente o contrato. E como se sabe, a lei dispõe que se
considera em mora "o devedor que não efetua o pagamento e o credor que
não quiser recebê-lo no tempo, lugar e forma que a lei ou a convenção
estabelecer" (art. 394 do CC); e, havendo mora, o devedor se sujeita à
responsabilidade por perdas e danos (art. 395). Destarte, demonstrado o
descumprimento contratual unilateral (descumprimento do prazo de entrega
do imóvel), faculta-se a resilição contratual (art. 473 do CC), com
perdas e danos a serem arbitrados (art. 18 do CDC; arts. 394/405 do CC
c.c. o art. 927 do CC). De fato, o prazo de 180 dias se encerrou (junho
de 2012) e só foi cumprido em maio de 2014 (cf. termo de recebimento -
fl. 125). E como o autor não deseja a resilição, só a indenização por
perdas e danos, esta será definida à luz do sinalgma contratual, de
acordo com o estabelecido em contrato para o caso de inadimplemento
(cláusula 4.2, fls. 20/21). Tal fixação não obedecerá exatamente aos
termos do contrato, valendo tão-somente como referência: 2% (dois por
cento) sobre o valor atualizado do imóvel, a título de multa contratual
(cláusula 4.2, fls. 20/21), incidente por uma só vez em razão
descumprimento do contrato; 1% (um por cento) sobre o valor atualizado
do imóvel, a título de mora (cláusula 4.2, fls. 20/21), incidente sobre
cada um dos meses de atraso (termo inicial: julho de 2012; termo final:
abril de 2014). Por fim, passa-se à análise dos danos morais. Como se
sabe, 'o simples descumprimento do dever legal ou contratual, por
caracterizar mero aborrecimento, em princípio, não configura dano moral,
salvo se a infração advém circunstância que atinja a dignidade da
parte' (Enunciado 25 do Colégio Recursal de São José dos Campos, DOE
1.6.10). A situação excepcional de abalo da dignidade da pessoa decorre
da frustração com a entrega do bem material mais importante da vida, da
resistência em relação a uma solução amigável, da privação do bem por
tempo significativo e da postura comercial adotada pelas empresas-rés.
Sob tal contexto, demonstrados os pressupostos da responsabilidade
civil, a fixação da indenização deve observar os critérios normalmente
atendidos pela jurisprudência: valor econômico de origem; natureza,
extensão e intensidade da ofensa sofrida, com abalo das atividades
cotidianas; condições pessoais da vítima e repercussão do dano na vida
particular dela; capacidade econômica do ofensor e disparidade econômica
entre as partes; grau de culpabilidade e verificação da ocorrência de
má-fé ou de dolo; histórico anterior de ocorrências assemelhadas;
eventual contribuição da vítima para o evento; caráter preventivo da
reparação do dano moral (art. 7º, inc. VI do CDC). Com base em tais
critérios, fixa-se a indenização em R$ 7.700,00. Os valores definidos
nos comandos condenatórios terão caráter sucessivo (a indenização
material com prevalência sobre a moral) e, individual ou conjuntamente
considerados, ficarão sujeitos ao limite de alçada: 40 salários mínimos
na data do cálculo para fins de cumprimento da sentença. Ante o exposto,
julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados e, declarada a
ilegalidade parcial da cláusula 5 do quadro resumo (fl. 17) e da
cláusula 5 do contrato particular de promessa de compra e venda (fl. 22)
conforme fundamentação supra condeno a empresa-ré a pagar ao autor: a.
multa de 2% (dois por cento) sobre o valor atualizado do imóvel,
incidente por uma só vez em razão descumprimento do contrato; b. 1% (um
por cento) sobre o valor atualizado do imóvel, a título de mora,
incidente sobre cada um dos meses de atraso (termo inicial: julho de
2012; termo final: abril de 2014); c. indenização moral de R$ 7.700,00,
todos os valores com correção monetária calculada com base na Tabela
Prática do TJSP e contada a partir da data dos termos iniciais
específicos - salvo a indenização moral, cujo termo inicial será o da
presente decisão (STJ 362) -, ao acréscimo de juro de mora simples de 1%
ao mês (art. 406 do CC; art. 161, § 1º do CTN) contado a partir da data
da citação (03.07.2014 - fl. 41), por se tratar de ilícito contratual
(arts. 398 e 405 do CC c.c. o art. 219 do CPC; STJ 54, a contrario
sensu). Neste grau de jurisdição, sem condenação nas despesas de
sucumbência (art. 54 da Lei 9.099/95). A partir do trânsito em julgado,
fluirá de imediato, sem necessidade de nova intimação, o prazo de 15
dias para pagamento das indenizações supramencionadas (cumprimento
espontâneo da sentença), pena de acréscimo de multa de dez por cento
(art. 475-J do CPC). O valor do preparo obedecerá ao disposto na Lei
Estadual 11.608/03 e no Provimento 1.670/09 (v. tb. art. 698 das NSCGJ),
bem como nas orientações dos enunciados do Colégio Recursal de São José
dos Campos (DOE 1.6.2010), devendo a serventia proceder ao cálculo
respectivo: "Os ofícios de justiça, no primeiro grau de jurisdição, e a
secretaria do Tribunal, no ato da intimação da sentença, exceto quando
publicada em audiência, ou da intimação do acórdão, farão constar o
valor do preparo, abrangendo custas e despesas, inclusive o valor
estimado do porte de retorno, mencionando a quantidade de volumes
existentes, quando exigido, para o caso de eventual interposição de
recurso.§ 1º O demonstrativo conterá o valor singelo das custas e, em
separado, o seu valor corrigido, segundo a Tabela Prática para Cálculo
de Atualização Monetária dos Débitos Judiciais, publicada, mensalmente,
no Diário da Justiça Eletrônico" (art. 1.096 das NSCGJ). No mais, defiro
ao autor os benefícios da justiça gratuita. Registre-se
eletronicamente. Publique-se. Intimem-se. Cumpram-se.