sábado, 21 de julho de 2012

Repasse na planta, juros de obras e cota de construção: nova roupagem para antigas ilegalidades.

Inicialmente faz-se necessário entender como funciona a aquisição de imóveis em fase de construção, para chegarmos a inevitável conclusão que as parcelas denominadas "cota de construção", "repasse na planta" e "juros de obra" são ilegais e abusivas.

Quando o consumidor procura determinado imóvel leva em consideração alguns fatores, tais como: localização, preço, condições de pagamento. Com certeza o que mais pesa nesta escolha é o valor do imóvel e a sua conformação ao perfil econômico do cliente, ou seja, o adquirente opta pelo produto que melhor caberá no seu orçamento mensal.

Pois bem, uma vez escolhido o imóvel a construtora lhe oferece o preço "x" e as condições de pagamento, funciona da seguinte forma: o cliente paga algumas parcelas (facilitadíssimas) até o financiamento, e logo em seguida a instituição financeira complementa o saldo devedor. Nesse passo pode ocorrer a seguinte situação: o valor atualizado do imóvel, no momento do financiamento, é maior do que o valor a financiar, exemplifico:

Cliente compra um imóvel cujo preço é R$ 110.000,00, até a data do financiamento paga a construtora R$ 10.000,00, quando procura o financiamento imobiliário o banco analisa o seu perfil e diz que este cliente só pode financiar R$ 90.000,00. Como o imóvel já valorizou (aplica-se o INCC), resta uma diferença, ou seja, R$ 10.000,00 mais a correção pelo INCC.

Essa diferença é chamada de "pro-soluto" e pode ser negociada livremente com a vendedora. Após o pagamento dessa diferença o imóvel estará quitado e o cliente NADA MAIS DEVERÁ À CONSTRUTORA.

Isso é o que deveria acontecer, mas na prática mesmo após o pagamento do "pro-soluto", vem a construtora e, de forma arbitrária, exige do cliente que assuma um ADITIVO CONTRATUAL (aditivo quer dizer: um adicional ao contrato de compra e venda firmado no momento da aquisição do imóvel), em flagrante violação ao princípio do ato jurídico perfeito, da boa-fé e da estabilidade das relações jurídicas.

Neste tal "aditivo contratual" a construtora tenta explicar a "cota de construção". Analisando as cláusulas percebi uma verdadeira confusão de conceitos cujo resultado é: nada se explica, vejamos:

Diz o documento (4.1): a cota de construção nada mais é do que uma reposição financeira feita pelo cliente à construtora porque esta é quem paga o financiamento com a Caixa Econômica Federal, ou seja, é uma forma que o consumidor tem de compensá-la.

Depois noutro lugar dá outra explicação (4.6): A cota de construção é uma forma de compensar a construtora porque a instituição financeira repassa a ela o valor do financiamento, de acordo com o cronograma de obra, sem a incidência dos custos da construção civil, ou seja, sem o INCC.

Afinal de contas, a cota de construção ou o repasse na planta é um reembolso à construtora, ou uma compensação pelo INCC não repassado pelo banco. Respondo: nenhum, nem outro. Isso que as construtoras vem cobrando são juros na fase de construção, já declarado ilegal pelos nossos Tribunais.

Pois bem. Como justificar que a construtora é quem paga para a Caixa, se mensalmente o cliente recebe um boleto para fazer o depósito numa conta corrente?

Da mesma forma, a justificativa de que do banco não repassa o valor do financiamento com a incidência do INCC é absurda, isso porque no momento da contratação o preço total do imóvel já deveria contemplar todos os custos da construção. Isso é pueril, qualquer aluno de primeiro ano de administração sabe, ou deveria saber, que um produto posto no mercado já traz consigo a formação do preço total, sob pena de se violar um dos mais primordiais direitos do consumidor: o da informação correta e da vinculação à oferta inicial.

Ademais, num cenário de estabilidade econômica (o Brasil vive este momento), não justifica alterar o preço dos produtos como ocorria nas épocas de inflação galopante, isso gera insegurança jurídica, é abusivo.

Mas os absurdos não param por ai: essa situação vai permanecer até a data da entrega do imóvel ou da concessão do habite-se, que, como todos sabemos, atrasa por 1, 2, 3 anos.

Para finalizar chego à seguinte conclusão: o consumidor emprestou para a construtora a quantia necessária para construir a obra, pagou parcelado, buscou financiamento etc, e mesmo assim, sendo o "dono" do dinheiro, tem que se sujeitar a pagar para a construtora os juros deste empréstimo. Deveria ser o contrário: se vamos num banco e tomamo um empréstimo, pagamos o principal mais os juros. Só no mundo das gananciosas construtoras é que funciona diferente.

Portanto, todos aqueles que se encontram nesta situação digo sem medo de errar: JÁ QUITARAM O SEU IMÓVEL, E NADA MAIS DEVEM À NINGUÉM!!!!!!

Aproveito a oportunidade para colocar um trecho da decisão do STJ sobre a cobrança de juros na fase de construção.


1. Em contratos de promessa de compra e venda de imóvel em construção, descabe a cobrança de juros compensatórios antes da entrega das chaves do imóvel - "juros no pé" -, porquanto, nesse período, não há capital da construtora/incorporadora mutuado ao promitente comprador, tampouco utilização do imóvel prometido. 2. Em realidade, o que há é uma verdadeira antecipação de pagamento, parcial e gradual, pelo comprador, para um imóvel cuja entrega foi contratualmente diferida no tempo. Vale dizer, se há aporte de capital, tal se verifica por parte do comprador para com o vendedor, de sorte a beirar situação aberrante a cobrança reversa de juros compensatórios, de quem entrega o capital por aquele que o toma de empréstimo.


Cristiano César de Andrade de Assis